Quando se é criança, pode-se perceber a grande expectativa que gira em torno do enunciado de uma viagem que muitas vezes está só em projeto pois sua realização depende de muitos fatores principalmente o financeiro que na época era bem curto.
Essa viagem é na realidade para Guaratuba, uma visita aos avós paternos nas férias de julho em plena época da festa do Divino. Isso é muito bom!!! Quer dizer, mais ou menos pois "êta viagenzinha difícil e sofrida."
Primeiro ponto da dificuldade: o tempo da demora. Deveria ser uma cinco ou seis horas pelo menos pois na minha cabeça demorava muito.
Segundo ponto: o sofrimento pois eu enjoava muito e qualquer curva feita era motivo para "destripar o mico" ou "chamar o Hugo."
Terceiro ponto: o pula pula do ônibus pois a estrada era de terra e a buraqueira era o que mais tinha.
Quarto ponto: o entra e sai no ônibus pois de uma altura em diante se vinha pela praia e dependendo da maré o único jeito era esperar ela baixar para seguir adiante.
Quinto ponto: a travessia. Que medo entrar naquela lancha que navegava com a água rente a janela. E quando o mar estava agitado! Balançava tanto que o jeito era rezar para se chegar sã e salvo.
Finalmente a chegada. Opa. Agora sim. Tudo é festa. Primeira visão que enchia os olhos quando se descia da lancha: A Cruz toda iluminada por lampadas da Igreja Centenária.
Do trapiche de desembarque - ruiu com a erosão de 68 - até a casa de meus avós era um pulo pois era só atravessar a Avenida Beira Mar ( frente a baia) entrar na travessa e... pronto! Chegamos.
Para minha família essas lembranças são especiais pois na travessa enfocada - hoje a rua do Iguana, ligando a baía à praça, situava-se a casa de meus avós. Uma casa em estilo português antigo com paredes grossas, janelas imensas de madeira. A entrada principal era frente à Praça onde uma porta grossa de madeira que era fechada por uma enorme e pesada trava dava ínicio a um enorme corredor ladeado por quartos escuros que mexiam com a nossa imaginação de criança onde seres desconhecidos ali habitavam. Esse corredor desembocava em uma enorme sala que era usada como depósito de sacarias, produtos a granel vendidos no armazém de meu avó.
Uma cozinha onde uma grande mesa era o móvel principal, na cabeceira o lugar certo do patriarca da família que era um homem alto, claro, olhos azuis, bonachão e risonho. Lembro que ele gostava de contar piadas quando estávamos na mesa e uma das mais repetidas era da professora que fazia ditado a seus alunos e sempre saía a história do perú. Sabe qual é , né! Se não sabe, azar o teu.
O fogão a lenha sempre aceso pois a vida doméstica começava cedo e se estendia pelo dia todo.
A geladeira era a querozene. Chuveiro quente, água corrente nas torneiras, banheiro dentro de casa. Casa em frente à Praça, bem no centro da cidade; que mais? Há! e o Armazém! Bala, bolacha, biscoito de polvilho...quanta guloseima. "Nossa, Nossa. Assim você me mata!"
E a Festa do Divino? Lembro dela só no domingo. Umas quatro ou cinco barracas que funcionavam no pátio em volta da Igreja e que faziam a festa da criançada. A Barraca do ratinho. A barraca da roleta. A Barraca da pescaria. A mais famosa ao meu ver era a do ratinho. Um porquinho da índia que ficava em uma caixa amarrada em uma vara no cento de um círculo formado por casinhas numeradas. Quando o ratinho era descoberto, ele procurava abrigo em uma das casinhas e o grande prêmio que podia ser um bibelô, uma caneca, um sabonete e outras coisas mais cabia ao sortudo ganhador dono do número da casinha.
Lembro-me que meu irmão mais velho, um dia foi o grande sorteado. Hum, que felicidade. Que alegria. Ganhou um prêmio. Meu Pai, que emocionante. Era... adivinhe o que? UMA CANECA.
Pegou a dita pela alça e saiu correndo para mostrar em casa. Pois era só atravessar a praça e pronto eis aí o grande prêmio. Mais como na vida nada pode ser previsto, eis que aconteceu o infortúnio. Meu irmão, na euforia tropeçou e caiu. A caneca foi a grande prejudicada pois ele chegou em casa apenas com a alça em volta do dedo. Que frustração. Até hoje, cinquenta anos depois, rimos com essas lembranças. Memórias. Como é bom relembrar.
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